Banco de fungos de queijo; clones de oliveiras adaptados; inseminação de abelhas; inversão de colheita de uva; micro lotes de cafés especiais de alta pontuação. Tradicionais produtos das roças mineiras já não são os mesmos. A tecnologia está mudando o campo, agregando valor para os produtores, gerando itens especialíssimos e destacando Minas Gerais mundo afora.

As inovações tecnológicas, muitas delas disponíveis e gratuitas, serão um dos tópicos do Ciclo de Debates Produtos Especiais dos Campos de Minas: As Tecnologias e os Mineiros em Destaque, que a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realiza nos dias 30/11 e 1º/12/17. As inscrições seguem abertas até 15 horas do dia 29/11.

“A entrada do café no cerrado, a partir de estudos sobre adubação, permitiu que Minas se tornasse o maior produtor do Brasil”, salienta o diretor de Operações Técnicas da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), Trazilbo de Paula, sintetizando como a tecnologia pode transformar os negócios do campo.

O ciclo de debates quer destacar também os produtores de cinco cadeias: café, vinho, azeite, queijo artesanal e mel. “Nossos produtos especiais estão ganhando o mundo, são respeitados. Estamos quebrando paradigmas. Mas às vezes nós, brasileiros, nem sabemos disso”, enfatiza o presidente da Comissão de Agropecuária e Agroindústria da ALMG, deputado Antonio Carlos Arantes (PSDB).

Mais do que debater, será possível também conhecer e comprar alguns dos produtos. Eles serão comercializados em uma feira na Assembleia, nos mesmos dias do evento, e estarão na Praça Carlos Chagas, no sábado (2/12), na feira do Projeto Aproxima, um dos 13 parceiros do ciclo de debates.

Cafezinho contra a celulite

A mesma cafeína que pode diminuir a fadiga mental é capaz de reduzir a celulite ou combater o envelhecimento. É o que garante a farmacêutica e bioquímica Vanessa Vilela, presidente da Kapeh, empresa de cosméticos à base de café. Ela será uma das expositoras do ciclo de debates e irá contar como a tecnologia permitiu um novo uso para o produto tradicional da culinária mineira.

Vanessa sempre quis ter o próprio negócio na área de cosméticos e quando decidiu buscar um diferencial para a marca, suas origens deram a resposta. Ela é de Três Pontas (Sul de Minas), um dos maiores produtores de café do País. A partir de muitas buscas e pesquisas e também de parcerias com universidades, como a Federal de Lavras, o grão verde do café revelou suas propriedades.

“Ele é rico em ácidos clorogênicos, que são antioxidantes e combatem o envelhecimento. A cafeína reduz medidas, o óleo é cicatrizante”, exemplifica. A Kapeh surgiu em 2007 com sete itens. Hoje tem mais de 120. Vanessa foi premiada em 2010, pela Organização das Nações Unidas (ONU), como uma das dez melhores empreendedoras do mundo, e a Kapeh venceu o Prêmio Nacional de Inovação em 2011.

Variedades – Somente na área do café, a Epamig tem mais de 30 pesquisadores, envolvidos sobretudo na busca de novas variedades mais produtivas, resistentes à seca e às pragas e que gerem uma bebida de qualidade. A empresa já tem um banco com 1.500 variedades, e o café mineiro segue recebendo premiações dentro e fora do País.

Com uma agricultura familiar de montanha e elevado custo produtivo, os cafeicultores da Cooperativa de Poço Fundo e Região (Coopfam) abriram mão da quantidade e optaram pelo nicho dos cafés orgânicos com alta pontuação, superior a 85. “Esse produto tem micro lotes com origem, rastreabilidade, uma história pra contar”, detalha Clemilson Pereira, diretor-presidente da Coopfam.

Até 2015, nenhum dos cooperados tinha essa pontuação. “Fizemos um trabalho intensivo, a partir de parceria com o Instituto Federal do Sul de Minas. Em 2016, tivemos 13 lotes aprovados, sendo um de 88 pontos. Neste ano, foram 27 lotes”, revela Clemilson. Segundo ele, até mesmo os produtores estão surpresos com os resultados.

França se rende ao queijo mineiro

A França, referência em queijos, se rendeu ao produto artesanal do Serro (Região Central do Estado). Túlio Madureira, que preside a associação local de produtores, foi medalhista de prata e de bronze neste ano no Mondial du Fromage. Ele vem à ALMG falar sobre os desafios para colocar o queijo com fungo no mercado e para que esse micro-organismo seja reconhecido como alimento.

“Nossa fazenda foi a primeira a isolar e pesquisar o fungo natural do Serro, com a ajuda da Universidade Federal de Lavras (Ufla). Outras cinco fazendas já estão trabalhando nisso”, conta Túlio.

Agora, segundo ele, uma grande pesquisa, tendo a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) à frente, vai permitir que o Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA) reconheça os queijos com fungo, eliminando barreiras comerciais. “Teremos um banco de fungos, personalizados por fazenda”.

Inovações melhoram produção de mel e própolis

Na apicultura, as pesquisas buscam, atualmente, o melhoramento genético, com a inseminação de abelhas, a partir de matrizes retiradas das colmeias mais produtivas. Mas o foco não é só a produtividade de mel e própolis. Apicultores querem também animais mais resistentes a doenças e mais dóceis que as atuais abelhas africanizadas.

Fruto de pesquisa de doutorado na Universidade de São Paulo (USP), a metodologia é pública, embora pouco disseminada, e está em fase de testes em Bambuí (Centro-Oeste de Minas). “A cidade está no coração da região do própolis verde, item exclusivo do Brasil, muito valorizado no mercado internacional e com 95% da produção em Minas”, frisa Cézar Ramos Júnior, diretor comercial da Natucentro.

O momento é oportuno para essas inovações, conforme salienta Cézar, porque em vários apiários do mundo, as abelhas estão doentes e os remédios utilizados pelos apicultores estão contaminando os produtos. O alecrim do campo, que, atacado por um tipo de pulgão, produz a resina que é a base do própolis verde, também vem sendo objeto de pesquisas para melhoramento na região de Bambuí.

Minas tem outros tipos de mel, como o de aroeira da mata seca, que está perto de receber a certificação de origem. Luciano Fernandes, que preside cooperativa no Norte de Minas e será outro palestrante do ciclo de debates, aponta alta de 30% ao ano na atividade, que está mudando a vida dos produtores da região.

Uai, nós temos azeite!

Há alguns anos era impensável uma produção comercial de vinhos e azeites em Minas. Embora as primeiras oliveiras tenham chegado a Maria da Fé, no Sul de Minas, em 1943, e as pesquisas tenham começado em 1955, somente 50 anos depois o plantio comercial foi iniciado na cidade, de forma tímida. O primeiro azeite mineiro nasceu em 20 de fevereiro de 2008.

“Foi uma extração experimental que, mesmo em condições inadequadas, resultou em um produto extra-virgem, indicando a alta qualidade da matéria-prima. Isso sensibilizou o governo a melhorar a produção e a comprar a primeira máquina de extração”, relembra Nilton Caetano de Oliveira, presidente da Associação dos Produtores da Região da Mantiqueira (Assolive).

A atuação da Epamig criou uma cadeia desses produtos em Maria da Fé, conforme salienta Trazilbo de Paula, diretor da empresa. “Adaptamos clones trazidos da Espanha e fizemos a primeira extração comercial”, salienta. Os 40 litros daquela safra se multiplicaram, chegando atualmente a 50 mil litros, segundo a Assolive.

A produção deve dobrar em 2018, mas só é suficiente para 1% do mercado brasileiro, o que dá ideia do potencial do produto, que é melhor se consumido mais fresco. O preço é outro atrativo, porque os R$ 120, em média, por litro, superam o valor dos importados.

Uma certa magia

Ao contrário do azeite, o bom vinho exige tempo. Por isso, parece magia que o plantio feito em 2009, em Três Pontas, tenha resultado em um produto premiado já na safra de 2015. O vinho Maria Maria Bel, elaborado com uvas sauvignon blanc, foi bronze em Londres, na Inglaterra, concorrendo com 17 mil rótulos. O syrah da mesma safra ficou em primeiro lugar na Vini Bra Expo 2017.

O segredo, porém, foi trabalho e, novamente, pesquisa para melhorar a produção. No caso do vinho, veio da Epamig a técnica da poda invertida (ou dupla poda), que muda o período de colheita do verão para o inverno. No tempo seco, as uvas têm maior concentração de açúcar e de sabor, resultando em um vinho de melhor qualidade. O criador do método, Murillo de Albuquerque, será palestrante na ALMG.

Na fazenda Capetinga, casa da vinícola Maria Maria, a safra esgotou. “Vendi a metade da produção em seis meses. Depois do prêmio, a outra metade foi vendida em 15 dias”, conta o produtor Eduardo Junior. Ele também participará do ciclo de debates para contar sua história e o episódio do infarto que o levou de tomador de cerveja a tomador de vinho - aliás, do próprio vinho.

Foto: Acervo ALMG