O mercado brasileiro de carnes está com a imagem arranhada dentro e fora do país após a operação da Polícia Federal. Entretanto, na avaliação do analista de agronegócio da FAEMG (Federação da Agricultura e Pecuária do Estado), Wallisson Lara Fonseca, como nenhuma das 21 unidades produtoras investigadas está em Minas Gerais, o Estado fica numa posição mais confortável para convencer os importadores de que está tudo bem. “Num primeiro momento, pode haver impacto sim, mas o mercado internacional tem clareza na atribuição dos setores e sabe que a sanidade do nosso rebanho é inquestionável. Da porteira para dentro não existe problema nenhum”, afirma Fonseca.

Na avaliação dele, o maior impacto será no mercado doméstico, visto que mais de 80% da produção é para consumo interno. “Na nossa produção, exportamos 32% do frango, 15% do suíno e 14% do bovino. Se o brasileiro não ficar intimidado, não teremos tanto reflexo”, considera o analista da FAEMG.

Por enquanto, a China, que está entre os maiores compradores das carnes mineiras, já suspendeu as compras, até que se prove o contrário. Para se ter uma ideia do que está em jogo na economia mineira, a cada R$ 100 gerados pela agropecuária no Brasil, R$ 14 saem de Minas Gerais, segundo dados do PIB (Produto Interno Bruto) de janeiro a novembro de 2016, divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Dos R$ 203,9 bilhões que o setor movimentou no Estado, R$ 91,2 bilhões vieram da pecuária. Só as carnes bovinas foram responsáveis por R$ 28 bilhões, ou seja, 30% do total da receita do agronegócio, que tem visto as exportações crescerem. Considerando apenas as exportações, Minas responde por 5,4% da receita de carnes exportadas no Brasil.

O diretor da ABCZ (Associação Brasileira de Criadores de Zebu), Arnaldo Prata Filho, afirma que a divulgação da operação Carne Crua acarretou pânico nos consumidores, mas deveria ter sido feita de maneira mais direta, para que não comprometesse toda a cadeia. “São 21 empresas num universo de 4.837 unidades produtoras. São situações pontuais que não podem prejudicar um setor que é tão organizado e que vende para 770 países”, avalia.

Prata ressalta ainda que, apesar do reflexo imediato, os compradores internacionais conseguirão entender que é apenas uma minoria com problemas. Ele destaca ainda que, no caso do melhoramento genético, não haverá impactos nas exportações. “Fazemos um trabalho qualificado e os compradores de fora sabem muito bem reconhecer isso e não se deixarão influenciar, pois o que está sendo investigado não tem nada a ver com a comercialização do material genético”, destaca Prata.

Universo. Das 21 unidades produtoras investigadas na Operação Carne Crua deflagrada pela Polícia Federal, que encontrou sérias irregularidades na conservação das carnes comercializadas, incluindo carnes podres, 18 estão no Estado do Paraná, duas estão em Goiás e uma em Santa Catarina. Segundo o Ministério da Agricultura, o Brasil tem hoje 4.837 unidades fiscalizadas em todo o país.

Expozebu

A Expozebu, maior exposição da pecuária zebuína no mundo, será realizada entre 29 de abril e 6 de maio, em Uberaba, Triângulo Mineiro. Segundo o diretor da Associação Brasileira de Criadores de Zebu (ABCZ), os reflexos negativos sobre a carne brasileira não comprometerão o evento, que no ano passado movimentou cerca de R$ 35 milhões só em leilões, com média de R$ 35,43 mil por animal. A exposição recebeu visitantes de 30 países.

Bancada ruralista quer explicações

BRASÍLIA. Deputados ligados ao setor agropecuário articulam na Câmara uma reação à operação Carne Fraca, que apura supostas irregularidades na inspeção de alguns dos principais frigoríficos do país. A ideia, encampada pela cúpula da Frente Parlamentar da Agropecuária – um dos grupos setoriais mais fortes do Legislativo –, é propor a criação de uma comissão que visite os 21 frigoríficos investigados pela Polícia Federal e ouça o delegado Mauricio Moscardi Grillo sobre os procedimentos adotados nas apurações.

“A operação é legítima, mas o comunicado e a entrevista apresentaram falas pessoais, sem conhecimento técnico”, diz o deputado Nilson Leitão (PSDB-MT).

Denúncias sobre a carne brasileira: verdades e exageros

Salmonela, ácidos cancerígenos e etiquetas falsas para disfarçar carne vencida ou avariada: o que se sabe até agora -e o que ainda não- sobre as denúncias de adulteração da carne brasileira?

"Inspetores públicos, mediante pagamento de propina, emitindo certificados sanitários sem qualquer fiscalização efetiva", anunciou a Polícia Federal ao lançar a operação na última sexta-feira.

Com 21 frigoríficos citados na investigação - três deles suspensos preventivamente pelas autoridades-, o Ministério da Agricultura afirma que estudará a fundo as denúncias para indicar à população exatamente quais produtos apresentaram problemas, saber se foram efetivamente comercializados e, se for o caso, retirá-los de circulação.

O presidente Michel Temer afirmou neste domingo que "destas 21 unidades, apenas seis delas exportaram nos últimos 60 dias".

Para o ministro de Agricultura, Blairo Maggi, foi criado um alarde desmedido devido à "narrativa" utilizada para divulgar a investigação e afirmou que 99% dos produtores faz as coisas direito.
- Ácidos cancerígenos? -

Em frigoríficos de pequeno porte foi detectado o uso de produtos cancerígenos para maquiar o aspecto físico e o odor do produto estragado, informou o delegado Moscardi Grillo em entrevista coletiva realizada em Curitiba(sul).

Em entrevista ao Fantástico, da TV Globo, o fiscal do Ministério de Agricultura Daniel Gouveia Teixeira afirmou que um frigorífico de Curitiba utilizava ácido ascórbico; um descontaminante que se mistura aos produtos para diminuir a contaminação bacteriana e mascarar odores e outras características da carne podre.

O Ministério afirmou que as substâncias apontadas como "cancerígenas" são na verdade conservantes que, quando utilizados dentro dos limites máximos permitidos, "não representam um risco para a saúde dos consumidores".
- Etiquetas falsas? -

Em outro frigorífico de pequeno porte, a polícia denunciou a mudança de etiquetas para falsificar a validade de produtos vencidos.

Em um diálogo com um de seus funcionários reproduzido no despacho judicial, o dono do estabelecimento "não demonstra qualquer surpresa com a substituição de etiquetas de validade em uma carga inteira de carne de barriga" nem com a utilização de carnes vencidas há três meses para a produção de outros alimentos.
- Salmonela? -

Os investigadores também apontam que foi identificada a presença de salmonela em produtos da empresa BRF que foram exportados.

De acordo com a PF, em uma conversa telefônica interceptada pelas autoridades, um diretor da companhia fala sobre a retenção de contêineres da empresa com produtos exportados para Europa e diz que pelo menos em "quatro deles as autoridades sanitárias europeias teriam identificado traços de uma das variações da bactéria popularmente conhecida como salmonela".

A BRF disse em comunicado que "o tipo de Salmonela encontrado em alguns lotes desses quatro contêineres é o Salmonella Saint Paul, que é tolerado pela legislação europeia para carnes in natura e, portanto, não justificaria a proibição de entrada na Itália.
"A BRF não incorreu em nenhuma irregularidade", garante.
- "Mal-entendido" sobre papelão no frango -

Tanto o governo como a BRF afirmaram que a versão de que um funcionário da empresa pretendia misturar carne de frango com papelão de deveu a um "mal-entendido" sobre a conversa telefônica interceptada.

"Não há papelão algum nos produtos da BRF. Houve um grande mal-entendido na interpretação do áudio capturado pela Polícia Federal", informou à empresa.
"O funcionário estava se referindo às embalagens do produto, não ao seu conteúdo", esclareceu.

Escândalo vai afetar a recuperação do PIB

O escândalo sobre a venda de carne irregular no Brasil e no exterior, investigado na Operação Carne Fraca, pode atrapalhar a recuperação da economia brasileira, avalia a consultoria inglesa Capital Economics. Apesar de ainda ser cedo para avaliar os impactos e os desdobramentos das descobertas da Polícia Federal, os economistas da consultoria estimam que o país pode ter uma perda de receita de US$ 3,5 bilhões por ano, caso a suspensão da compra do produtos por países que já anunciaram, como a China e o Chile, dure por tempo prolongado.

Esse impacto representa 0,2% do PIB (Produto Interno Bruto) ao ano, calcula o economista-chefe da Capital Economics, Neil Shearing, mas pode subir para 0,5% caso outros mercados, como Arábia Saudita, Rússia e Japão, também adotem medidas restritivas para a compra da carne brasileira.

“Isso tem o potencial de produzir um impacto considerável no PIB”, ressalta ele, destacando que o Brasil exportou US$ 12,6 bilhões em carnes no ano passado, o equivalente a 7% de todas as vendas externas do país e 0,7% do PIB. “Qualquer impacto na atividade vai depender de quanto tempo as suspensões vão durar”, descreve.

Empresas devem divulgar lotes

Os órgãos de defesa do consumidor afirmam que as empresas investigadas pela operação Carne Fraca devem divulgar os lotes dos produtos que estiverem sob suspeita de adulteração. Segundo o coordenador do Procon Estadual, ligado ao Ministério Público de Minas Gerais (Procon-MG), Amauri Artimos Da Matta, a Senacon (Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor) já solicitou os lotes para as empresas investigadas e deu o prazo de 72 horas para a divulgação dos dados.

O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) encaminhou nessa segunda-feira (20) uma carta ao Ministério da Agricultura solicitando a divulgação dos lotes e a retirada dos produtos fraudados do mercado (recall), “até que sejam sanadas as falhas do processo produtivo e de fiscalização que colocam em risco a saúde e a segurança dos consumidores”.

“Assim que a Senacon nos passar os dados dos lotes, será possível tomar providências como a retirada desses produtos dos estabelecimentos e possivelmente seja feito um recall”, afirma Da Matta. Ele diz que os desdobramentos da operação serão discutidos nesta terça-feira (21) pelo Sistema Estadual de Defesa do Consumidor, que reúne Defensoria Pública, Ministério Público, Procons municipais e entidades de defesa do consumidor na sede do MPMG.

A Associação de Defesa do Consumidor Proteste também afirma a necessidade de divulgação dos lotes dos produtos que não foram corretamente fiscalizados. “Com a informação dos lotes envolvidos, é possível que a fiscalização seja feita”, explica Maria Inês Dolci, coordenadora da Proteste.

 

Fonte: Faemg